Vaticano inicia processo de beatificação dos mártires do Yasuní, na Amazônia

Papa Leão XIV assina decretos que reconhecem a “oferta de vida” do bispo Alejandro Labaka e da irmã Inés Arango, falecidos em 1987 durante uma missão em território tagaeri.

Por: Jimena Celis – Equipe de Comunicação da REPAM Peru

O Papa Leão XIV aprovou os decretos que dão início formal à causa de beatificação do bispo Alejandro Labaka Ugarte e da irmã Inés Arango Velásquez, ambos assassinados em 1987 na selva do leste equatoriano enquanto tentavam estabelecer contato com um grupo indígena em isolamento. A decisão, anunciada pelo Dicastério para as Causas dos Santos, reconhece a “oferta voluntária de vida” dos dois religiosos em um contexto de alta tensão social e ambiental.

Esta é a primeira causa de beatificação confirmada por Leão XIV desde o início de seu pontificado, há apenas duas semanas. O gesto marca uma linha clara em sua visão pastoral: uma Igreja missionária, presente nas margens geográficas e existenciais, e comprometida com a proteção da vida humana em situações de risco.

“Dom Alejandro e a irmã Inés foram ao encontro dos povos não contatados não por aventura, mas por amor. Disseram: ‘Se não formos nós, matam eles’”, declarou Dom Adalberto Jiménez, OFM Cap, bispo do Vicariato de Aguarico, citando uma das frases mais significativas dos missionários.

Missão em território frágil e ameaçado

Alejandro Labaka, de origem basca, foi nomeado bispo do Vicariato Apostólico de Aguarico em 1984. Ao longo de seu serviço, estabeleceu vínculos com comunidades indígenas em situação de contato inicial e promoveu uma abordagem pastoral baseada no respeito intercultural. Por sua vez, a religiosa colombiana Inés Arango, pertencente à Congregação das Irmãs Terceiras Capuchinhas, acompanhou processos de catequese e trabalho comunitário nessa mesma região, dedicando sua vida à atenção aos povos indígenas.

Em junho de 1987, ambos decidiram entrar por via aérea em uma zona habitada pelo povo tagaeri — grupo em isolamento voluntário no Parque Nacional Yasuní — para prevenir uma possível incursão petrolífera em seu território. O contato não foi possível. No dia seguinte, seus corpos foram encontrados sem vida, com sinais de agressão. A investigação posterior interpretou o fato como uma resposta violenta, enquadrada na tensão acumulada entre comunidades indígenas e agentes externos.

“O testemunho de Dom Alejandro e da irmã Inés nos enche de esperança, não apenas para o Vicariato de Aguarico, mas para toda a bacia amazônica, porque são mártires da Amazônia, afirmou Dom Jiménez, destacando a dimensão continental desse reconhecimento. “Recebemos a notícia com muita alegria, pois é um acontecimento grandioso, não só para o vicariato de Aguarico, mas para toda a bacia amazônica.”

Uma decisão com implicações para a Igreja e a Amazônia

O processo de beatificação baseia-se na figura da oblatio vitae, introduzida pelo papa Francisco em 2017, que permite o reconhecimento de pessoas que, sem serem mártires no sentido tradicional, entregaram livre e conscientemente a vida por uma causa evangélica. Neste caso, reconhece-se que tanto Labaka quanto Arango assumiram voluntariamente um risco considerável, motivados pela defesa da vida de um povo ameaçado.

O anúncio do Vaticano gerou um sentimento de comoção entre aqueles que conheceram de perto o trabalho pastoral dos dois missionários. Sua história representa um momento significativo na memória eclesial da região amazônica, marcada pelos conflitos entre interesses extrativistas e povos indígenas que resistem à desaparição de seus territórios e culturas.

Para além do reconhecimento formal

A beatificação em curso é também um sinal para a Igreja latino-americana e para as comunidades amazônicas que ainda enfrentam pressões estruturais sobre seus territórios. Labaka e Inés não foram figuras heroicas no sentido convencional, mas pessoas que assumiram sua vocação com radicalidade pastoral, mesmo quando as circunstâncias exigiam decisões difíceis e sem garantias de retorno.

“A mensagem de suas vidas nos lembra que não basta permanecer com uma fé enclausurada nos templos: o Evangelho se vive indo ao encontro dos mais vulneráveis, nas periferias geográficas e existenciais”, afirmou Dom Jiménez, ecoando o chamado do papa Francisco e agora também de Leão XIV.

Seus restos mortais, sepultados na cidade de Coca, têm sido visitados em silêncio ao longo dos anos por comunidades locais e por aqueles que continuam a missão na selva. Para muitos, sua memória permanece viva como um referencial de compromisso pastoral firme, sem alardes nem promessas, mas com uma coerência que interpela profundamente.