
No território pan-amazônico, ao longo da história, foram identificados dois tipos de modelos de desenvolvimento: um predatório e outro socioambiental. A aplicação de cada um influencia diretamente a rotina das comunidades que habitam o território. Surge a dúvida se aqueles que convivem com a Amazônia apoiam tudo o que cada um desses modelos estabelece; ou, ao contrário, se precisamos de uma maior aproximação com o conhecimento ancestral dos povos para alcançar um equilíbrio completo.
Por: Equipe de comunicação da REPAM
Durante a IV Escola de Direitos Humanos, promovida pela Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), Felicio Pontes, membro do Tribunal Internacional da Natureza e auditor no Sínodo para a Amazônia realizado em outubro de 2019, em um espaço de diálogo e reflexão, desenvolveu as ideias que abrangem cada um desses modelos de desenvolvimento pensados para a Amazônia. O caminho levou à definição da posição dos participantes da escola de direitos humanos quanto aos direitos da natureza.
O modelo predatório
Neste ponto, faz-se referência à exploração indiscriminada da madeira, à pecuária extensiva, à mineração, aos monocultivos, aos megaprojetos e à extração de petróleo. Do ponto de vista de Felicio Pontes, a construção de estradas é vista como a porta de entrada para projetos destrutivos. Com a abertura de vias, a fauna é deslocada e as comunidades indígenas perdem seus espaços de interação; além disso, a falta de fiscalização impede o cumprimento efetivo das leis ambientais. Pontes destacou que as áreas asfaltadas costumam apresentar maiores índices de desmatamento, pois facilitam a entrada da agricultura comercial, da pecuária e de novas frentes de exploração predatória.
Em quatro décadas, o modelo predatório levou o desmatamento da Amazônia de 0,5% a 20%, alcançando o que especialistas consideram o ponto de não retorno — um estado em que a floresta já não conseguiria se regenerar naturalmente. A extração indiscriminada de recursos influencia as dinâmicas sociais, culturais e ambientais de cada uma das comunidades que vivem na Pan-Amazônia. Hoje em dia, como consequências, podemos observar a extinção da memória e da cosmovisão, o enfraquecimento da agricultura tradicional, a contaminação do território, a perseguição e assassinato de defensores e a implementação de políticas públicas que favorecem grupos econômicos e empresariais.
Um modelo socioambiental
Esse modelo tem sido apresentado como uma alternativa ao modelo predatório. Felicio Pontes explicou que o conjunto de 17 atividades do ecossistema amazônico — que incluem o abastecimento de água, a regulação do clima, a pesca, a coleta de frutas e castanhas, entre outras — tem um valor estimado em 692 bilhões de dólares. Dentro dessa abordagem, os bio-negócios desempenham um papel central, gerando pelo menos 1.200 produtos e serviços que vão desde alimentos e produtos farmacêuticos até turismo e artesanato.
O mercado mundial de fitoterapia movimenta anualmente 50 bilhões de dólares, dos quais 500 milhões correspondem ao Brasil. Pontes destacou que esse modelo não apenas protege a biodiversidade, como também oferece oportunidades econômicas sustentáveis para as comunidades amazônicas.
Direitos da natureza
Essa concepção tem origem na cosmovisão dos povos indígenas. No entanto, a cultura ocidental e o direito tradicional não reconhecem a natureza como sujeito de direitos. Vale a pena perguntar: se a natureza — suas águas, rios, florestas e minerais — não tem direitos, quem poderá defendê-la em diferentes espaços? A partir dessa questão, Pontes apresentou três enfoques existentes:
• Antropocentrismo: visão do direito ambiental centrada na proteção dos seres humanos.
• Biocentrismo: doutrina que busca proteger tanto os seres humanos quanto os animais.
• Ecocentrismo: perspectiva que coloca o planeta Terra como objeto de proteção integral.
A reflexão gira em torno da necessidade de transitar de uma visão antropocêntrica para uma ecocêntrica. “Teologicamente, devemos respeitar a Terra e tudo o que nela habita”, afirmou Felicio Pontes.