Nasce a Plataforma Saber Repam que visibiliza a esperança viva dos povos amazônicos

A Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM) lançou oficialmente a plataforma digital “Saberes Amazônicos pelo Bem Viver e a Justiça Socioambiental”: um espaço virtual com o objetivo de visibilizar, conectar e fortalecer experiências territoriais que promovem alternativas sustentáveis em defesa da vida e do bioma amazônico.

Por: Micaela Díaz – ADN CELAM

O lançamento foi marcado por testemunhos, reconhecimentos e um convite à unidade e à esperança, justamente em um contexto de dor pelo assassinato do líder ambiental Hipólito Quispe Huamán, em Madre de Dios, Peru.

Ferramenta viva a serviço dos territórios

Dom David Martínez, bispo de Puerto Maldonado, celebrou a criação da plataforma como um processo nascido da caminhada conjunta das jurisdições amazônicas. “Trata-se de conhecer e reconhecer, conectar, compartilhar e valorizar a sabedoria dos povos em seu esforço para viver em harmonia com esta bela Amazônia”, afirmou. Ele destacou que a plataforma contribui para a autoestima coletiva e ajuda a fortalecer experiências que muitas vezes são invisibilizadas ou subestimadas.

O bispo lembrou que esse lançamento não poderia ser separado do contexto de dor vivido na região. “Aqui em Madre de Dios estamos de luto”, disse, mencionando que no dia 27 de julho foi assassinado um camponês, um líder ambiental que entregou sua vida defendendo a vida: Hipólito. Explicou que ele era um dos muitos defensores que, a partir de seu território, praticavam concretamente a justiça socioambiental e o bem viver, enfrentando ameaças cotidianas.

Em meio a essa perda, o prelado mencionou a necessidade de união: “Então, ânimo! Parabenizo esta montanha de areia que está sendo construída, porque cada um de nós, por si só, é um grão de areia, mas juntos, como Repam, somos um celeiro, uma montanha”.

Saberes que resistem e florescem

Do núcleo Justiça Socioambiental e Bem Viver (JSABV), Yolima Salazar lembrou que justiça social e justiça ambiental estão entrelaçadas. “A justiça ambiental busca garantir o acesso equitativo a um ambiente saudável, enquanto a justiça social implica equidade nos recursos e proteção dos direitos humanos e do território”, destacou.

Durante o evento, foram apresentadas diversas experiências territoriais que já fazem parte da plataforma. Doris Fuentes, gerente da cooperativa Agrobosque no Peru, destacou: “Saber nos permite compartilhar nossas experiências e aprender com outras, conectando nossas raízes a uma rede mais ampla de luta por justiça socioambiental”. Sua cooperativa trabalha com cacau fino de aroma e economia solidária, como modelo de conservação e organização comunitária.

Por sua vez, o chef amazônico Roy Riquelme, criador do projeto Cozinhando e Conservando, ressaltou: “Meu trabalho como cozinheiro amazônico é ensinar, através dos alimentos, a valorizar nossas florestas. A Amazônia não pode continuar sendo conhecida apenas pela extração de ouro ou madeira, mas também pelos saberes que nutrem e curam”.

Da Bolívia, Néstor Ruiz compartilhou seu testemunho sobre sistemas agroflorestais: “Esta plataforma é uma ferramenta para que possamos trocar conhecimentos. Ela nos permite sermos conhecidos e fortalecer nossa luta contra a expansão de práticas destrutivas”.

A plataforma https://saberrepam.repam.net nasce de um longo processo de escuta e acompanhamento de 12 experiências na tríplice fronteira entre Peru, Brasil e Bolívia. Viviana Wilches, responsável pela Comunidade de Aprendizagem do JSABV, explicou que se trata de uma plataforma pensada coletivamente, desde o nome até suas categorias, e desenhada “para aprender a aprender a partir dos saberes das comunidades”.

O site oferece acesso a conteúdos formativos, produtos amazônicos, ferramentas de articulação e contato direto com as experiências territoriais. “Queremos que seja uma semente de rede viva, que permita apoiar, compartilhar conhecimentos, comercializar produtos ou simplesmente tecer relações solidárias”, acrescentou Wilches.

“Não estamos sozinhos”

Luis Farfán, da Associação de Agricultura Ecológica, reconheceu o valor prático da ferramenta: “É uma plataforma útil, visível e simples para atualizar e compartilhar nossas experiências”. Enquanto isso, Luis Tayori, do povo Harakbut, afirmou que a plataforma “multiplica a força dos territórios” e que “a economia também pode vir daqueles que sempre viveram com a floresta em pé”.

Do Brasil, Dr. da Borracha valorizou o espaço como uma porta para muitos que desejam entrar na defesa ativa da Amazônia. “É uma planta que vai florescer e semear novas sementes na região”, expressou. Também se somaram vozes femininas como a de Jacqueline Álvarez, do Café Don Pequi (Bolívia), que disse: “Reconhecer os saberes é fundamental para a harmonia e o bem viver”. Teófila Saavedra, artesã do coletivo Shio’i, compartilhou sua experiência de vida resgatando a arte e a cultura como resistência: “Seguimos produzindo e reflorestando, unidas como mulheres”.

Uma ferramenta para a esperança

O secretário adjunto da REPAM, Rodrigo Fadul, destacou que este projeto é fruto de um longo processo coletivo: “A plataforma Saber é uma mostra viva de que o território tem voz. Ouvimos as experiências e construímos uma ferramenta a serviço de suas lutas”. Encerrando o evento, Juan Esteban Belderrain propôs: “Consideremos Hipólito como o patrono desta plataforma. Que sua memória nos impulsione a continuar semeando esperança no território”.

A plataforma Saber REPAMse consolida assim como um espaço digital comunitário para divulgar iniciativas sustentáveis, fortalecer alianças, abrir canais de apoio e fazer parte de uma rede viva pela justiça socioambiental. Em tempos em que defender a vida na Amazônia custa vidas, essa teia coletiva afirma que outro futuro é possível, a partir dos territórios, com seus saberes, dignidade e resiliência.

Fonte: ADN CELAM